A matemática de um amor plutónico.

Um dia ela acreditou que entre Júpiter e Marte podia amar-te, mas desde que Plutão deixou de ser um planeta o Sistema Solar nunca mais foi o mesmo. Ptolomeu não acreditava apenas em círculos perfeitos, e defendia que os corpos celestes giravam em torno de uma própria órbita além da órbita da Terra, formando vários epiciclos. A inocência é algo muito erótico e ela nunca pensou voltar a entusiasmar-se desta maneira. Não é paixão, é outra coisa. É melhor. Porque é mais tranquilo, mais leve, mais fácil. Aos poucos, noite após noite, ela encontrou no teu peito o planeta há muito extinto e, talvez por tudo isso, pela primeira vez em muitos anos, sentiu-se profundamente feliz. É claro que é uma felicidade ilusória e com data de validade, mas é o momento que conta. Depois, logo se vê.

Um teorema não pode ser desfeito, escreveu um dia o matemático G. H. Hardy. A matemática é a única ciência que lida com a verdade – a literatura matemática é perene, enquanto a das outras ciências torna-se rapidamente obsoleta. Tudo o que importa é a verdade. Dois mil anos de história não acrescentaram uma ruga ao Teorema de Pitágoras. Salvo por interesse histórico, ninguém estuda mais o sistema solar de Ptolomeu. Já Euclides continua de pé. A matemática funciona por acumulo, e não por substituição. Dizes-lhe que um mais um é igual a três, e ela tenta explicar-te que só no amor a soma de dois é igual a um. Todo o amor que não pode ser vivido, não é correspondido ou impossível de acontecer não passa de um amor platónico. Ou plutónico. E enquanto vocês, os amantes, sofrem com esse erro de Platão, os poetas versam o sentimento perdido.

A validade permanente das verdades matemáticas relaciona-se com o facto de estar isolada do mundo real, fora do tempo e das circunstâncias do universo. O matemático e filósofo francês Henri Poincaré escreveu que a descoberta matemática é o processo mental que menos toma de empréstimo elementos do mundo exterior. A mente alimenta-se da mente. O corpo dela alimenta-se do teu corpo. O início clássico de um tratado de geometria diz: «Vamos considerar três sistemas de coisas. As coisas que compõem o primeiro sistema chamamos de pontos; o segundo, de linhas; o terceiro, de planos.» Planos que nunca passarão disso mesmo, linhas que te levam até ao ponto em que ela se encontra. Coisas. A matemática obriga a lidar com os objectos mais remotos e inumanos que a mente dos homens já concebe. Objectos – infinitos, complexos, caóticos, únicos, imensos, previsíveis, prováveis, elegantes, belos, monstruosos. Os objectos só existem como coisa mental, ninguém sabe onde habitam. Os matemáticos são estetas e, para todos eles, a beleza é das mais poderosas ferramentas da descoberta. Os matemáticos falam não só de beleza, mas também de bom gosto, que definem como a capacidade de detectar o que é importante. Quanto mais simples e natural for o objecto, mais belo ele será.

A física estuda o mundo natural; a biologia, os organismos vivos. São ciências cujo objecto está ao alcance da compreensão do leigo. A matemática é um pouco diferente, embora achemos conhecê-la. Matemática é o rigor infinito. A descoberta matemática é um processo misterioso e a capacidade de ver diferente é uma das suas características. A intuição, é outra. Existem dois tipos de matemáticos: aqueles que constroem teorias e os que resolvem problemas. Vocês os dois criam-nos. Vocês os dois continuam a divisar uma estratégia clara para resolver o problema que vos absorve e a prova ainda não está ao alcance. Há um obstáculo que se recusa a ceder. A sabedoria popular diz: «Por falta de um prego, perdeu-se a ferradura; por falta de uma ferradura, perdeu-se o cavalo; por falta do cavalo, perdeu-se o cavaleiro; por falta do cavaleiro, perdeu-se a batalha; por falta da batalha, perdeu-se o reino.» Os sistemas dinâmicos surgiram com os estudos de Newton sobre o movimentos dos planetas. Quando o comportamento de um sistema deixa de apresentar qualquer padrão, chama-se de caótico. Caos pode significar muitas coisas. No caso, é um conceito que exprime tudo o que não se pode saber sobre o futuro. No caso, são vocês. E depois de se instalar o caos, surge a dúvida. Os pesadelos. A confusão mental. O medo. O arrependimento. O remorso. A vontade de redenção. O desejo enfraquecido de não voltarem a tentar resolver equações lineares.

Mulheres com passado gostam de homens com futuro. Gostam de desafios, não gostam de fazer parte de uma equação cuja solução é uma incógnita. A fidelidade não é um teorema nem uma qualidade, é uma característica, por isso não é fiel quem quer, é fiel quem pode, quem sabe. O teorema do confronto estabelece a existência do limite de uma função real, contanto que no domínio de interesse essa função se encontre limitada por duas funções, ambas convergentes para o mesmo limite. E quem vive à beira desse limite sabe que viver assim não é fácil nem saudável. O segredo do bem-estar e da virtude consiste em amar aquilo que somos obrigados a fazer. Pode ser um grande desafio, qual Teoria das Cordas, em que o seu interesse é dirigido pela grande esperança de que ela possa vir a ser uma teoria de tudo, mas em bom rigor o que acontece é que não se sabe ainda se a teoria das cordas é capaz de descrever o universo como a precisa colecção de forças e matéria que nós observamos, nem quanta liberdade para escolha destes detalhes a teoria irá permitir.

Não existe nesta análise qualquer tipo de moralismo, apenas uma visão equacional  da vida. A arte é só um começo, só uma metáfora. A matemática é exacta. Uma traição não é apenas a frustração de não conseguir alcançar o resultado da equação. Uma traição não é apenas uma troca de fluidos arrebatados com uma terceira pessoa. Ela pode não perceber de matemática, mas no que toca ao amor sabe que uma traição é uma expressão inequívoca de desrespeito para quem está ao nosso lado. Resistir à tentação é um processo longo e complexo que se inicia muito antes de Plutão ser considerado um planeta anão. Este assunto morre aqui e ela vai ser capaz de o matar porque não é capaz de o resolver. Ela é mais forte, sempre foi. Vai conseguir domesticar a tristeza, triturá-la no dia-a-dia, até a reduzir em pó, cinzas e nada como o universo surgiu. O Homem é um composto altamente instável, e a Terra um planeta decididamente inferior. Tu tinhas razão, vocês são um problema bonito, mas na matemática e no amor, um mais um nunca poderá ser igual a  três.

La Bohemie.

3 thoughts on “A matemática de um amor plutónico.

  1. Adoro este texto, estas letras e o sentimento consciente deste ponto de vista. Adoro esta esquemática repleta de ciência, de matemática e planos de um verdadeiro amor!

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