Absoluta Escuridão.

O silêncio voltou a tomar conta de mim.

Mas afinal de contas, há quantos dias não reagia? Tinha perdido por completo a noção do tempo. Sei que depois de ontem é hoje, e que ao dia de hoje segue-se amanhã. O Sol nasce e põe-se; a Lua aparece e esconde-se; a maré avança e recua; Marte antecede Júpiter. Agarrei na minha agenda em branco e fiz os cálculos com a ajuda do calendário. Quarenta dias, não reagia há quarenta dias. Estaria de quarentena? O mês de dezembro aproximava-se do fim. Entretanto tinham-se passado duas semanas. Depois quatro. Passou-se um mês. Estava na altura de voltar a escrever. A verdade, porém, é que não me era nada fácil dar o primeiro passo nesse sentido. Um estranho silêncio fazia pressão contra o meu corpo, dando-me a sensação de estar no fundo do mar. Uma sensação de frio que fazia lembrar água. O tempo vacilava, a continuidade mostrava-se distorcida, a gravidade alterada. Tive a impressão de que as minhas memórias mais antigas emergiam dos vapores do tempo. A Terra expandiu-se, depois arrefeceu e retraiu-se. Se não houvesse atrito no mundo, tudo o que existe à face da Terra sairia disparado e seria lançado no espaço pela acção da força centrífuga da rotação. Era precisamente assim que eu me sentia. Passavam-se dias a fio sem pensar em coisa praticamente nenhuma. A inspiração estava submersa. A vontade escondida no interior da gruta. O mar era um pensamento gigantesco e sobre a sua superfície a chuva caía silenciosamente. Na orla dos meus pensamentos podia ver-se o infinito fuso do tempo flutuando no ar. O vazio engolia as visões e um vazio ainda maior engolia, por seu turno, esse primeiro vazio.

Definitiva e irremediavelmente morta, disse alguém.

Tinha perfeita consciência de que aquela vida não poderia continuar eternamente, mas, ao mesmo tempo, não conseguia mexer-me dali. Além de que não tinha coragem para arrancar-me daquele estado adormecido. Mais tarde, enfiei-me na cama e fechei os olhos. Depois de ter passado por aquele estado confuso e caótico, dei por mim estendida na minha cama. À minha volta estava tudo escuro. A escuridão não era total, como se tivesse sido pincelada a aguarela, mas eu via nada. Estava sozinha. Estendi o braço, mas não havia alguém a meu lado. Uma vez mais encontrava-me sozinha no extremo do mundo, nas profundezas da escuridão. Olhei para o relógio. Estava parado. Quando olhamos com muita atenção para uma coisa, conseguimos ver mesmo na mais absoluta escuridão e os pensamentos tornam-se mais profundos. Tinha o corpo gelado e rígido. Recordava-me perfeitamente do sentimento de desespero, a dor que se apoderava de mim. O meu corpo sentia-se incapaz de dormir, o sono abandonara-me por completo. Estava acordada, e bem acordada, com os olhos abertos como se estivesse no fundo de um poço seco. De vez em quando chorava. Por dentro, em silêncio. Chorava por tudo o que perdera e por tudo o que haveria de perder. Deitada na cama, odiei o mundo. Odiei tudo.

E ali fiquei, sozinha, abandonada ao mais absoluto vazio. Na mais absoluta escuridão.

 

La Bohemie.

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